Hugo, Victor
Poesia EspĂ­rita
INSPIRAÇÃO DE UM EX-INCRÉDULO A PROPÓSITO DE O LIVRO DOS ESPÍRITOS

Pelo Dr. Niéger

27 de dezembro de 1864

Tal aquele que um dia, em naufrágio encontrado,
Nos destroços do barco em desespero, a nado,
Sem força ante a fadiga e a esperança a perder
De a seu país chegar e nunca mais rever,
Lembra-se então de orar, que a fé sua alma afaga;
Quando súbito emerge um clarão sobre a vaga
De uma terra ignorada acesso lhe indicando,
O náufrago cansado, esforços redobrando,
Rapidamente alcança a margem protetora,
E agradecido a Deus antes de tudo ele ora,
Sentindo, assim, que a fé lhe renasce com ardor,
Obedecer-Lhe a lei promete ao Salvador!

Isso eu senti um dia, o vosso livro ao ler,
Senti no coração coragem renascer.
Muito tempo ocupado em buscar os segredos
Da vida corporal que contava nos dedos,
Mas nada de apanhar-lhe as causas e a razão
Que pareciam sempre escapar-me à visão.
Vosso livro ao me abrir mais novos horizontes
Para os trabalhos meus fez surgir outras fontes.
Aí vi que tinha feito errada rota então,
E dúvida não mais, só fé no coração.
De fato, o homem que sai das mãos do Criador,
Não pode ser lançado aqui ao desamor,
Pois uma santa lei por Deus mesmo outorgada,
A reger o Universo inteiro é destinada!
Progresso é o nome seu, para bem a cumprir
Os homens, entre si, procurem se reunir.

Que cenários de luz, que páginas sinceras
Nesse livro que aborda o homem das priscas eras,
Que mostra antes de tudo os primeiros humanos,
Colhendo o bem-estar sem trabalhos insanos!
A guiá-lo da vida a tão belo proscênio,
Somente o instinto, sim! E só mais tarde o gênio.
Do homem nascerá esse fogo sagrado,
E o espírito do bem sempre muito inspirado,
Do demônio vencido as cadeias quebrando
A partir de então irá mais sendas devassando.
Lá, sobre um frágil barco, ousados marinheiros
Afrontam vagalhões quais valentes guerreiros
A lançarem-se ao mar... E vaga antes temida
A desafio tal recua enfim batida.
Além, da águia a imitar o vôo audacioso,
Vê-se o homem a ensaiar assalto aos céus, brioso!
Mais longe de um rochedo, em sua audácia incrível,
Na imensidão do céu perscruta o indefinível;
Do Universo sem-fim ele descobre a lei,
E do mundo se faz em breve o único rei!

Nem aí se detém seu incrível ardor:
Em um tubo reter o impalpável vapor,
Que avança então montando esse dragão de fogo;
As mais rudes ações não são mais do que um jogo
Do gênio em tudo a expor sua marcha devida,
Onde reinava a morte ele faz nascer vida.
Parecia que aqui o seu vôo ele finda;
Mas inflexível lei lhe exige mais ainda,
E veremos da terra esse senhor então
De uma nuvem espessa arrancar o trovão,
Em dócil instrumento alterar seu furou,
E de um poste fazer humilde servidor!

Limites pois não há para o saber humano.
Para o cosmo fez Deus do homem um soberano;
A ele cabe encontrar por esforços constantes
Do corpo e da alma os bens sublimes e brilhantes.
E que ele descartando a rota assaz batida,
Descortine afinal a luz desconhecida
Já por tão longo tempo oculta ao seu olhar.
Busquemos do progresso o lábaro elevar;
Abordemos e já a trilha e vasta messe
Ao nosso esforço aberta... Ante o amor e ante a prece:
Que normas divinas em nosso pavilhão!
Prossigamos enfim em fraterna união.
Se for preciso um dia em luta sucumbirmos,
Nós rogamos, Senhor, que ao menos ao cairmos
A coragem na fé nossos filhos, assim,
Inspires a cumprir a tua lei, enfim.
R.E. , fevereiro de 1865, p. 86